sexta-feira, 29 de abril de 2011

Carta dos Signatários da Cultura a Presidente Dilma

Carta à Excelentíssima Presidenta Dilma Roussef

*Excelentíssima Presidenta Dilma Rousseff,*

Esta carta é uma manifestação de pessoas e organizações da sociedade civil e busca expressar nosso extremo desconforto com as mudanças ocorridas no campo das políticas culturais, zerando oito anos de acúmulo de discussões e avanços que deram visibilidade e interlocução a um Ministério até então subalterno. Frustrando aqueles que viam no simbolismo da nomeação da primeira mulher Ministra da Cultura do Brasil a confirmação de uma vitória, essa gestão rapidamente se encarregou de desconstruir não só as conquistas da gestão anterior, mas principalmente o inédito, amplo e produtivo ambiente de debate que havia se estabelecido.

Os signatários desta carta acreditam na continuidade e no aprofundamento das políticas bem-sucedidas do governo Lula. Essas políticas estão sintetizadas no Plano Nacional de Cultura, fruto de extenso processo de consultas públicas que foi transformado em lei sancionada pelo presidente, e que agora está sendo ignorado pela ministra. Afirmamos que, se a gestão anterior teve acertos, foi por procurar aproximar o Ministério das forças vivas da cultura, compreendendo que há um novo protagonismo por parte de indivíduos, grupos e populações até então tidos como “periféricos”, entendendo as extraordinárias possibilidades da Cultura Digital. Essa não é apenas uma discussão sobre ferramental tecnológico e jurídico, mas sobre todo um novo contexto criativo e cultural, pois essas tecnologias têm sido apropriadas e reinventadas em alguma medida por esses novos atores. É nesse território fundamental, da inserção da Cultura Digital no centro das discussões de políticas culturais do Ministério e da busca da capilaridade de programas como o Cultura Viva, com os Pontos de Cultura, que a Ministra sinalizou firmemente um retrocesso.

Ao bloquear o processo de reforma da lei dos Direitos Autorais, ignorando as manifestações recebidas durante 6 anos de debates, 150 reuniões realizadas em todo o país, 9 seminários nacionais e internacionais, 75 dias de consulta pública através da internet que receberam 7863 contribuições, a Ministra afronta todo um enorme esforço democrático de compreensão e elaboração. Se há uma explicação constrangedora nessa urgência em barrar uma dinâmica política tão saudável, é a de vir em socorro a instituições ameaçadas em seus privilégios, como o ECAD (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição) e as associações que o compõem, que apoiaram de forma explícita e decidida as políticas culturais e o candidato derrotado no pleito eleitoral presidencial.

Mas esse “socorro”, como dissemos, se dá ao arrepio da Lei 12.343 de 2 de dezembro de 2010, que aprovou o PNC, estabelecendo claramente a obrigação de reforma da Lei dos Direitos Autorais (conforme os itens 1.9.1 e 1.9.2 que determinam “criar instituição especificamente voltada à promoção e regulação de direitos autorais e suas atividades de arrecadação e distribuição” e “revisar a legislação  brasileira sobre direitos autorais, com vistas em  equilibrar os interesses dos  criadores, investidores e usuários,  estabelecendo relações contratuais mais  justas e critérios mais  transparentes de arrecadação e distribuição”). Ao afirmar que o texto da lei é “ditatorial” e que a proposta construída durante o governo Lula é “controversa” e não atende os “interesses dos autores”, a Ministra deliberadamente mistura o interesse dos criadores com o dos intermediários, e contrabandeia para o seio do governo Dilma precisamente as posições derrotadas com a eleição da Presidenta.

A questão da retirada da licença Creative Commons do portal do MinC também merece ser mencionada, por seu simbolismo. O Ministério da Cultura do governo Lula foi pioneiro em reconhecer que as leis de direito de autor estão em descompasso com as práticas desta época, e que seria imperioso aprimorá-las em favor dos criadores e do amplo acesso à cultura. Esse avanço foi expresso no PNC no item 1.9.13, que prevê  ”incentivar e fomentar o desenvolvimento de produtos e conteúdos culturais intensivos em conhecimento e tecnologia, em especial sob regimes flexíveis de propriedade intelectual”. Ao contrário do que tem dito a ministra, as licenças CC e similares visam regular a forma de remuneração do artista, e não impedi-la. Elas buscam ampliar o poder do autor em relação à sua obra e adaptar-se às novas formas de produção, distribuição e remuneração, aos novos modelos de negócio que essas tecnologias possibilitam.

Assim, entendemos que as iniciativas da atual gestão do Ministério da Cultura não são fiéis nem à sua campanha presidencial, nem ao Plano Nacional de Cultura e nem à discussão acumulada, representando, na melhor das hipóteses, um voluntarismo desinformado e desastroso, e na pior delas um retrocesso deliberado. Apoiamos a Presidenta Dilma Rousseff em sua manifestada intenção de continuar valorizando e promovendo a cultura brasileira, fortalecendo uma liderança global em discussões onde a nossa postura inovadora vinha se destacando dos modelos conservadores pregados pela indústria cultural hegemônica dos Estados Unidos e da Europa. Para isso é necessário que o Ministério da Cultura se coadune à perspectiva do governo Dilma, de compreender, aprofundar e ampliar as conquistas das políticas culturais do governo Lula.


*Signatários*

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Todo Mumdo e Ninguém - Livre adaptação da Obra de Gil Vicente


Adaptação livre da obra de Gil Vicente: Todo Mundo e Ninguém

 Entra Todo Mundo em grande luxo, elegância e uma arrogância esnobe.

 O coro do Povo
: ( Faz ou fazem todo o clima das cenas com expressivos OOOOOOOOOOOOOOOH!!!!): Oh! de admiração antes de cada fala.

 Todo Mundo: Vejam só, eu sou Todo mundo,
                         indiscutível é meu valor.
                         Ando sempre procurando
                         da vida o grande sabor;
                         talvez seja luxo e riqueza,
                         ou quem sabe não ter a dor
                         de ser pobre nesta vida
                         De não ser servo e sim, o senhor

     Entra Ninguém com uma singeleza quase maltrapilha e se admira da ansiedade de Todo Mundo:

 Ninguém: parece-me tão aflito
                 como num incansável procurar.
                 Não vês que tudo é mais simples?
                 Não te precisas cansar.
                 A vida nos dá de tudo.
                 Está ao lado. É só pegar.
                   (meio cismado)
                Se te ocupas em lidar
                para bens acumular
                como posso te chamar?
                Espero que o teu nome
                venha, em mim, consolidar
                as suspeita que aqui trago
                e possa de pronto afirmar:
                deves ser a maioria
                      (lamentando)
                Nem sei se te podes mudar .

 Todo Mundo: Lógico! Eu sou Todo Mundo!!!
                        E vou tratando de avisar.
                         Essa história de pobreza,
                         dividir lucro, participar...
                         É lorota pra boi dormir!!
                         Eu quero mesmo é me arrumar!!!!!

 Ninguém: Vejo logo que teus olhos
                   só na soberba se faz brilhar.
                   Eu, com toda franqueza,
                   tenho que te avisar.
                   Eu procuro a consciência.
                   Virtude melhor não há.
                   Por isso me chamo Ninguém.
                   Permita eu me apresentar
 O coro do povo: OOOOOOOOOOOOOOOH!!!!
                               ( um só fala ) Ora, veja minha gente
                                                    que o duelo ira começar
                                                   
                                      (outro fala) Todo Mundo e Ninguém
                                                     Irão a luta iniciar
                                      
                                      (outro fala) Um duelo de vida ou morte
                                                    E nós é que vamos julgar
                                                    Escrevendo as virtudes
                                                    que eles puderem apontar
                                                   
                                      (outro fala) Assim como as mazelas
                                                    que, com certeza, iram mostrar
                                                     Já temos cá uma peleja
                                                     Ninguém a consciência almeja
                                                     E Todo Mundo só quer enricar
 (O coro do povo cai na gargalhada)

 Ninguém: Nesta busca incessante,
                  não te cansas de buscar
                  só a coisas que reluzem
                  e te fazem de tolo ao brilhar?
                  Vem comigo buscar virtude
                 ela é leve, não vais te cansar

 Todo Mundo: Acorda, oh! Ninguém! Estais louco?
                         Se vivo neste sufoco,
                         muita honra quero ajuntar!
                         Ser honrado toda a vida,
                         respeitado, ter guarida
                          onde quer que eu chegar!!

 O coro do povo: OOOOOOOOOOOOOOOH!!!!
                             Precisamos atentamente
                             este veredicto copiar:
                            Todo Mundo só quer ter honras,
                           mas virtudes, ninguém é quem vai buscar.
                           Não se admira desta vida
                          está do jeito que está.
                          É fome, é bala perdida,
                         é  corrupção, é de lascar

       Todo Mundo: Quero ser glorificado
                               Em outdoor iluminado
                               Estar na mídia e de verdade
                               Ser uma celebridade       
                               Por todos ser o louvado
                               Um mito impar aclamado
                               Estar na mídia e de verdade
                                Ser uma celebridade 

        Ninguém: Para um homem como eu,
                         o que carece e o que falta
                         é estar sempre aprendendo
                         e qualquer coisa que eu faço,
                         não estando com modo e graça,
                         tenha quem me repreenda,
                         dando-me régua e compasso.

    O coro do povo: OOOOOOOOOOOOOOOH!!!!
                                  Que perola de comparação
                                  nós podemos aqui citar:
                                  Todo Mundo quer ser louvado,
                                  celebridade e pop star,
                                  mas, Ninguém quer ser corrigido
                                  em tudo aquilo que faz.
                                  Vejam a que bela lição
                                  nos remete este rapaz!

     Todo mundo: pois eu busco nessa vida
                         a ela própria e ao que nela há.
                         Ou qualquer ente sortudo
                         que isto possa me ofertar.
                         Dar a minha própria vida 
                         um valor único, sem par!
                         E pra isso não meço esforços,
                         posso matar ou roubar!     
                         Posso fazer outras coisas 
                         se, for o caso, precisar.   
                         Viver acima de tudo,
                         custe isto o que custar!!!!!

    Ninguém: A vida é nova todo dia!!
                  Está sempre a transmutar!!!!
                  Não a conheço e quem diria
                  que um dia eu pudesse afirmar,
                  que só à morte eu conheço –
                  ela já me fez chorar – .
                  A vida é sempre um começo
                  em cada novo despertar!

Coro do povo: OOOOOOOOOOOOOOOH!!!!
                     Que bela resenha teremos
                     para a descendência deixar!
                     Parece até uma incoerência,
                     por isso é bom anotar:
                     Todo Mundo vive a vida
                     da maneira melhor que há.
                     Já Ninguém conhece a morte,
                     ou pra ela vive a se preparar.
                     Vamos até fazer um mote:
                     Todo mundo busca vida
                      E Ninguém conhece a morte

Todo Mundo: Por falar nesta asneira,
                    tem algo que eu não concordo.
                    É com o tal do paraíso
                    não ser privado, um consórcio.
                    Imagina um paraíso
                    cheio de gente a incomodar?
                    Tipo paraíso público.... (com nojo)
                    Isso precisa mudar....
                    Agrada-me os ferais,
                    Mas, só se for particular.

Ninguém: Eu creio que meus ouvidos
               estão querendo me enganar.
               Será que eu ouvi direito
               este sujeito falar??
               Eu pago o que for preciso
               pra nos ferais entrar!
               Ainda sentirei – me um devedor
               na presença de Nosso Senhor
               como se ainda devesse
               muito mais a pagar!

O coro do povo: OOOOOOOOOOOOOOOH!!!!
                        Esta vai se tornar ‘Máxima’
                        e para sempre hão de lembrar!!
                        Todo mundo se agrada
                        de no paraíso ficar,
                        mas Ninguém paga o que deve
                        e ainda quer se endividar

     Todo Mundo: nesta minha desventura;
                         nesta busca sem ter fim,
                         sou fã de uma boa mentira
                         e enganar está pra mim!!
                         É próprio de minha pessoa
                         passar a perna e, numa boa,
                         trocar o bom pelo ruim
       
     Ninguém: Creio que não vás tão longe
                    com as pernas da mentira.
                    Não podes levar o fardo
                    e enganar traz-te a ruína
                    Uso sempre da verdade
                    Mesmo que doa, desgaste,
                   Mas, a verdade que se diga!!!

O coro do povo: OOOOOOOOOOOOOOOH!!!!
                        escutaram, meus amigos,
                        a grande contradição??
                       É preciso que anotemos,
                       não percamos a citação!!!!
                       Todo Mundo é mentiroso
                        e vive de enganação.
                        Porém, Ninguém diz a verdade
                        e vive nesta situação.
                        A mentira ou a verdade???
                        Eis a grade opção!!

Ninguém: Diz de uma vez, conte logo,
               o que ainda buscas encontrar?

Todo mundo: Merecer lisonja muita
                    e muita lisonja ofertar!!!!!
                    Sair deitando elogios
                    a todos que encontrar
                    e receber assim de todos
                    os que eles têm para me dar!!!!

Ninguém: Pobre de ti, és um coitado!!!
               Vives iludido e enganado,
               querendo ser lisonjeado?
               Eu, de ti, estou desenganado!!!
               Pois não me iludo. Ao contrário!!

O coro do povo: OOOOOOOOOOOOOOOH!!!!
                         A que conclusão chegamos
                        nós, aqui, neste senado?
                        A quem vamos inferir
                        a razão e o sensato?
                        Todo Mundo é só lisonja
                        e Ninguém desenganado.
                        É hora de Todo Mundo
                        ver a vida como Ninguém.
                        Todo mundo vive querendo 
                        nesta vida se dar bem,
                        porém Ninguém vota direito
                        e contribui do seu jeito 
                        pra mudar a situação!
                        Se Todo Mundo acordar,
                        Ninguém vai precisar chorar
                        por não poder se alimentar,
                        ou ter escola pra se educar,
                        ter saúde se precisar...
                        É Todo Mundo se irmanar
                        E Ninguém jamais será
                        injustiçado aqui ou acolá.

Todos: Por hora anotamos o bastante
           Vocês aí não vão se enganar.
            Logo que saírem daqui
            Cuidem logo em atinar:
            Todo mundo vai falar bem
            Ninguém vai aos outros contar,
            Pra essa lição de vida
            Como boa nova espalhar
(saúdam o público com gritos , pulos e grande entusiasmo


O Original
Um rico mercador, chamado "Todo o Mundo" e um homem pobre cujo nome é "Ninguém", encontram-se e põem-se a conversar sobre o que desejam neste mundo. Em torno desta conversa, dois demônios (Belzebu e Dinato) tecem comentários espirituosos, fazem trocadilhos, procurando evidenciar temas ligados à verdade, à cobiça, à vaidade, à virtude e à honra dos homens.
Representada pela primeira vez em 1532, como parte de uma peça maior, chamada Auto da Lusitânia (no século XVI, chama-se auto ao drama ou comédia teatral), a obra é de autoria do criador do teatro português, Gil Vicente.
Entra Todo o Mundo, rico mercador, e faz que anda buscando alguma cousa que perdeu; e logo após, um homem, vestido como pobre. Este se chama Ninguém e diz:

Ninguém:
Que andas tu aí buscando?

Todo o Mundo:
Mil cousas ando a buscar:
delas não posso achar,
porém ando porfiando
por quão bom é porfiar.

Ninguém:
Como hás nome, cavaleiro?

Todo o Mundo:
Eu hei nome Todo o Mundo
e meu tempo todo inteiro
sempre é buscar dinheiro
e sempre nisto me fundo.

Ninguém:
Eu hei nome Ninguém,
e busco a consciência.

Belzebu:
Esta é boa experiência:
Dinato, escreve isto bem.

Dinato:
Que escreverei, companheiro?

Belzebu:
Que ninguém busca consciência.
e todo o mundo dinheiro.




Ninguém:
E agora que buscas lá?

Todo o Mundo:
Busco honra muito grande.

Ninguém:
E eu virtude, que Deus mande
que tope com ela já.

Belzebu:
Outra adição nos acude:
escreve logo aí, a fundo,
que busca honra todo o mundo
e ninguém busca virtude.




Ninguém:
Buscas outro mor bem qu'esse?

Todo o Mundo:
Busco mais quem me louvasse
tudo quanto eu fizesse.

Ninguém:
E eu quem me repreendesse
em cada cousa que errasse.

Belzebu:
Escreve mais.

Dinato:
Que tens sabido?

Belzebu:
Que quer em extremo grado
todo o mundo ser louvado,
e ninguém ser repreendido.




Ninguém:
Buscas mais, amigo meu?

Todo o Mundo:
Busco a vida a quem ma dê.

Ninguém:
A vida não sei que é,
a morte conheço eu.

Belzebu:
Escreve lá outra sorte.

Dinato:
Que sorte?

Belzebu:
Muito garrida:
Todo o mundo busca a vida
e ninguém conhece a morte.




Todo o Mundo:
E mais queria o paraíso,
sem mo ninguém estorvar.

Ninguém:
E eu ponho-me a pagar
quanto devo para isso.

Belzebu:
Escreve com muito aviso.

Dinato:
Que escreverei?

Belzebu:
Escreve
que todo o mundo quer paraíso
e ninguém paga o que deve.




Todo o Mundo:
Folgo muito d'enganar,
e mentir nasceu comigo.

Ninguém:
Eu sempre verdade digo
sem nunca me desviar.

Belzebu:
Ora escreve lá, compadre,
não sejas tu preguiçoso.

Dinato:
Quê?

Belzebu:
Que todo o mundo é mentiroso,
E ninguém diz a verdade.




Ninguém:
Que mais buscas?

Todo o Mundo:
Lisonjear.

Ninguém:
Eu sou todo desengano.

Belzebu:
Escreve, ande lá, mano.

Dinato:
Que me mandas assentar?

Belzebu:
Põe aí mui declarado,
não te fique no tinteiro:
Todo o mundo é lisonjeiro,
e ninguém desenganado.